Isso pra mim é grego

Vinicius Tapioca
@DrTapioca

Publicado em 06 de junho de 2009

Seu Dotô!

ComprimidosMedicina é uma profissão cheia de nomes escabrosos que muitas vezes até assustam o paciente. Imagine se você for ao médico e ele disser que você precisa fazer uma Colangiopancreatografia Retrógada Endoscópica. Você pensa logo: “vou morrer!” ou no mínimo acha que a coisa é grave.

Cada vez mais os termos técnicos estão sendo utilizados na mídia e até mesmo no dia-a-dia das pessoas, pois com a facilidade do acesso dos usuários aos profissionais e procedimentos médicos, mais e mais as conversas sobre saúde (e doença) vão ficando comuns. Daí termos como mioma, histerectomia, adenóides e vesícula biliar já não serem mais tão estranhos. Ainda assim muitas vezes confusões ocorrem principalmente porque nomes parecidos podem ter significados completamente diferentes. Já vi gente confundir clopropramida (medicação para diabete) com clorpromazina (antipsicótico).

A grande dificuldade é pronunciar esses trava-línguas e não é raro a gente se deparar com incríveis adaptações. Quando isso acontece é preciso ter muita criatividade pra traduzir o que o paciente quer informar. Se ele quer fazer um elétrico fica fácil saber que se trata de um eletrocardiograma, mas se for um elétrico da cabeça, aí já é um eletroencefalograma. Uma vez uma paciente me informou que precisou fazer uma coletagem, pois na tranraginal tinha dado um pobrema. O que ela tinha feito na verdade foi uma curetagem já que a sua ultrassonografia transvaginal apresentou um problema.

Outra paciente me informou que tinha cólico no útero. A corrigi dizendo “cólica, senhora”. Ofendida, ela respondeu: “Êta, doutor, eu sei o que é cólica, mas o que eu tenho é cólico no útero”. É nessa hora que seu cérebro começa a se perguntar: “Que diabo essa mulher tem nesse útero?”. Aí você começa a cavucar a resposta: “Quem lhe disse que você tem isso?”; “O ginecologista” (ok, não ajudou muito); “Desde quando está com esse problema?”; “Já tem uns seis meses, ele disse pra tirar, mas eu fiquei com medo” (opa, tá esquentando!); “Tirar o útero?”; “Não, ele disse que se tira só o cólico e que faz pela vagina, sem precisar abrir a barriga” (touché, ela tinha um pólipo no endométrio – encaminhei para uma histeroscopia).

A coisa piorou um pouquinho com o advento do medicamento genérico. Como eles só apresentam o nome científico da substância, muitos pacientes não conseguem dizer a droga que está utilizando, já houve caso de gente afirmar que estava usando sopapo de ferrolho para anemia (sulfato ferroso). Uma paciente idosa (65 a 70 anos, mais ou menos) chegou pra mim queixando-se do grande gasto com medicações, só minha receita tinha seis tipos de remédio “e ainda tem o Leonardo toda semana e ele é caro!”. Não entendi, então perguntei a que Leonardo ela se referia. “Aquele que toma para os ossos”. Era o alendronato, medicação utilizada para osteoporose.

Teve um paciente meu que ao ser questionado sobre alergia medicamentosa informou que uma vez usou uma medicação que lhe provocou uma reação alérgica tão forte que precisou ser hospitalizado. “Lembro-me do nome até hoje: cloridrato”. Sim, cloridrato de quê? Tem mais de 20 tipos de cloridratos diferentes (ranitidina, amitriptilina, sibutramina, sertralina e por aí vai) e a reação alérgica é à segunda substância e não ao cloridrato em si. “Ah, doutor, o sobrenome eu não lembro”. O pior é que pra patologia que ele apresentava no momento da consulta, seria necessário usar um cloridrato. Uma chance de 1/20 de acertar bem no cloridrato que o cara não pode tomar é muito azar e, por via das dúvidas, mandei ele tomar o remédio e correr para o hospital caso sentisse qualquer coisa. Graças a Deus não foi o caso.

Outra coisa pouco divertida e muito demorada é quando um paciente vira pra você e diz que já tem diagnóstico, por exemplo, de hipertensão e usa uma medicação diariamente, mas não traz a receita nem a embalagem do remédio e não faz ideia do nome. Só diz “é um comprimido branco”. Nossa Senhora! Acredito que pelo menos 90% dos comprimidos são brancos ou bege bem clarinho (que, para o paciente, é branco também). Meu amigo, aí a coisa complica e pra sair o nome do maldito remédio dá trabalho. Toma que horas? Antes ou depois da refeição? Quantas vezes ao dia? Sente o que quando toma? É partido no meio? (tá bom, só uns 80% são partidos no meio). Qual a cor do envelope? Pegou no posto ou comprou na farmácia? Depois de uma hora tentando e vendo que o nome não vai sair, você vira pro usuário e… (Não! Não mando, não! Dá vontade às vezes, mas não mando, não!) digo que conheço uma ótima medicação para o que ele está sentindo e que vou prescrever esta ao invés daquela que ele está usando e não lembra. Ao ver o remédio ele vira pra você e diz: “É essa que eu estou usando!”. Detalhe, foi a primeira medicação que você perguntou lá no início da consulta e ele disse “não, o nome não é esse, não”. Mesmo assim você sorri, deseja um bom dia, mas não diz volte sempre, pois o paciente pode entender como mau agouro (você ia querer que, por exemplo, um delegado lhe dissesse volte sempre?).

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4 respostas para “Isso pra mim é grego”

  1. Muito bom o texto. Espero que venham outros =)

  2. Lêda disse:

    Você escreve muito bem!!!!!!!!!Estou adorando. É um momento de relax para mim pois dou muita risada. Espero um dia ver publicado um livro com esses "causos".

  3. André Zuil disse:

    Nos post do Dr. Tapioca eu já começo rindo da imagem do post.. rsrtsrs mas fala sério o texto dessa semana foi massa….. é essa vida de médico deve ser foda mesmo.
    Valeu Dr. Tapioca pelas risadas garantidas na segundona!!..

  4. Mariza Sales disse:

    Adorei o texto! sensacional……

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