Desconstruindo Papai Noel

Lucio Luiz
@lucioluiz

Publicado em 23 de dezembro de 2009


– Senhor Noel, senhor Noel!
– Jonas, eu já disse que prefiro ser chamado de Papai Noel ou Pai Natal. Nada de “senhor”, por favor.
– Desculpe. Eu… precisava falar com o senhor urgentemente!
– Faltam poucas horas pra começar a distribuição de presentes. O que pode ser mais urgente que isso?Papai Noel triste (desenho de Carlos Latuff, em Creative Commons)
– É que chegaram os resultados da última pesquisa de mercado…
– Pesquisa de mercado?
– Bom, senhor Noel, como o senhor deve saber, eu sou o duende responsável pelo departamento de marketing…
– Departamento de marketing?
– …e estávamos analisando o impacto de sua figura perante as crianças do mundo. Creio que são prementes algumas alterações urgentes em nossa política.
– Como assim, nossa política?
– Em primeiro lugar, o senhor tem alguns problemas no que tange o público-alvo. Diferenciações com base em religião são politicamente incorretas.
– Você está maluco?
– Está aqui no nosso briefing. “Papai Noel – ou Pai Natal – é uma figura lendária surgida a partir de tradições cristãs que, em culturas ocidentais, distribui presentes para crianças bem-comportadas”.
– Você pegou isso da Wikipédia.
– É nosso briefing. Por favor, não me interrompa…
– Grr…
– O senhor se limita a crianças cristãs do ocidente. E ainda gera traumas nas que cometeram atos ruins durante o ano. Contudo, notamos que mesmo entre os cristãos há os que o consideram uma figura pagã demoníaca que deve ser ignorada solenemente em nome da paz espiritual e de um lugar junto a Deus.
– Sério?
– Sim, senhor.
– Mas… Eu gosto tanto das crianças…
– E entra sorrateiro na casa das pessoas. Isso incomoda aqueles que prezam pela segurança de seus lares.
– E o que devo fazer?
– Primeiro precisa trocar de uniforme. Essa roupa vermelha é associada à Coca-Cola e isso incomoda os comunistas.
– Pra começar, essa roupa não tem nada a ver com a Coca-Cola. Você anda lendo Wikipédia demais. Além disso, comunistas são ateus, eles não recebem presente mesmo.
– Isso no passado. Hoje, há milhões de comunistas cristãos. Está na moda falar que é comunista mesmo sem saber o que isso significa. Exatamente por isso o senhor vai usar essa camisa do Che Guevara com um gorro de Papai Noel.
– Hein?
– E o senhor precisa também citar três ou quatro passagens bíblicas ao invés do “hohoho”. Dependendo do país, utilize passagens de outros livros sagrados.
– Como assim?
– O senhor precisa tomar muito cuidado quando o aspecto é religião. Além disso, não dê mais presente às crianças. Podem acusá-lo de pedofilia. Melhor presentear os adultos que se inscrevam em nosso mailing.
Mailing?
– Sim. Tomei a liberdade de pedir para o meu sobrinho fazer um site para o senhor. Agora, quem quiser receber presente só precisa se cadastrar e clicar nos banners que temos no site. Esse dinheiro vai ajudar a pagar os custos dos presentes. Também fiz um site de sexo bizarro com duendes para garantir a compra de nossos aeroplanos.
– Aero… E as renas?
– Não queremos problemas com o Greenpeace. Devolveremos as renas a seu habitat natural para elas serem caçadas pelos norte-americanos viciados em matar bichinhos indefesos.
– Isso é ironia?
– Não, senhor. Nós somos sócios da Associação Nacional do Rifle. Renas voadoras são um plus incrível para eles.
– Isso não faz sentido! Será que estou tão ultrapassado assim?
– Certamente.
– Mas…
– Só uma última coisa: Gordos são rejeitados pelo público-consumidor de imagens saudáveis natalinas e não servem como nossos garotos propaganda.
– Mas eu não vou conseguir emagrecer em menos de cinco horas!
– Por isso mesmo tomei a liberdade de contratar o Tom Hanks para entregar os presentes em seu lugar. Segundo nossas pesquisas, ele tem mais confiabilidade que o senhor. Lamento.
– Olha aqui, seu duendezinho de meia tigela: Eu vou continuar com essa roupa, vou continuar fazendo “hohoho”, vou continuar distribuindo presentes para as crianças cristãs boazinhas e vou continuar usando minhas renas! Entendeu?
– Desculpe, mas eu não acredito em Papai Noel. Segurança!

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2 respostas para “Desconstruindo Papai Noel”

  1. […] Crônica originalmente publicada em 23 de dezembro de 2009 no Papo de Gordo. […]

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