Um clichê de Natal – parte 3 (de 3)

Lucio Luiz
@lucioluiz

Publicado em 24 de dezembro de 2011

Gordo de Raiz, por Lucio Luiz

Para (tentar) entender a história, leia o primeiro capítulo e, depois, o segundo capítulo.

Natal. Tempo de alegria. Época de celebrar a vida e ter esperança no futuro. O problema é que essa visão otimista não é compartalhida exatamente por aquele que deveria ser o símbolo dessa data festiva: Kris Kringle (ou, para quem nunca viu aqueles especiais de bonequinhos que ensinam o nome verdadeiro do cara, Papai Noel).

Dentro de uma enorme fábrica, cheia de elfos que cantam e saltitam alegres enquanto produzem brinquedos, há um pequeno escritório onde fica o outrora otimista Kris. Ele está jogado em sua cadeira com um sanduíche de bacon em uma mão e uma garrafa de cachaça pela metade na outra. Ele observa com ar pesaroso um globo sobre sua mesa com a miniatura de uma cidade no inverno. Está tão compenetrado em seu sofrimento que nem percebe quando uma gorda e um velho entram por sua porta.

– Sua hora chegou, Papai Noel!
– Ei, fantasma, acho que ele nem notou que a gente está aqui.
– Ele parece que está em outro mundo… Mas isso não importa! Mate ele, Escrúge!
– OK. Eu mato o Papai Noel e você me deixa em paz, correto?
– Isso. Agora, usa logo a arma que a gente roubou daquele elfo de segurança!
– Tudo bem… Olha, seu Noel, não é nada pessoal. Eu nunca acreditei em você, mesmo.

No exato momento em que Rodolfo Escrúge apontou a arma na direção de Kris, entraram pela porta, esbaforidos, dois homens: um de pijama e outro com uma túnica romana bizarra.

– Pare! Não mate o Papai Noel!
– O que você está fazendo aqui, fantasma do Natal presente?
– Então é verdade… você estava usando esse humano para matar o senhor Kringle… Por quê, fantasma dos Natais passados?
– Meus motivos não importam! Mate ele, Escrúge!

Assustado com toda aquela agitação, Roberto começava a duvidar que estava em um sonho. Na verdade, ele já começara a pensar sobre isso quando estava no Expresso Polar e derrubaram chocolate quente em seu colo. Aquele dor incomensurável só poderia ser um indicativo de que estava vivenciando a realidade. Mas isso não importava mais, ele estava diante de seu chefe malvado apontando uma arma na direção do Papai Noel.

– Senhor Escrúge! Nao mate o Papai Noel!
– Essa gorda maluca disse que só ia me deixar em paz se eu matasse esse cara.
– E esse cara doido só vai me deixar em paz se eu te impedir.
– Se esse é o seu argumento, acho que vou continuar com meu plano original.
– Não é só isso. Confesso que, num primeiro momento, meus motivos eram realmente egoístas. Afinal, minha vida era uma m&%#@ e eu não conseguia ver nada de bom no mundo. Mas, aí, eu vi a alegria das crianças que estavam vindo em excursão no Expresso Polar só para ver o Papai Noel e entendi que esse é um momento de compartilhar e festejar. Não devemos nos deixar abater pelas dificuldades da vida e precisamos olhar o lado bom de tudo. Eu finalmente entendi o verdadeiro espírito do Natal. E é para não destruir a chance da humanidade ter esperança em um futuro de amor e paz que você não deve matar… Ei! podia pelo menos deixar eu termina de falar antes de atirar!
– Seu discurso foi muito chato. Matei logo o cara pra você calar a bola.
– NÃÃÃÃÃÃOOOOO…

O corpo de Papai Noel jazia no chão de seu escritório. Rodolfo Escrúge estava aliviado por finalmente ter cumprido sua parte no acordo. O fantasma dos Natais passados também cumprira sua missão, mas não estava muito contente com o que fez. Já Roberto e o fantasma do Natal presente, choravam com imenso pesar. Porém, todos direcionaram seus olhares para o corpo do Bom Velhinho, que emanava uma luz muito forte e flutuava de forma mágica. De repente, Papai Noel se moveu, o buraco da bala desapareceu, sua roupa se tornou branca e ele parecia estar mais gordo e contente do que antes.

Os quatro visitantes não entendiam o que estava acontecendo. Com um ar bondoso e compreensivo, Papai Noel deu sua clássica risada (“hohoho”, caso você não saiba) e olhou com carinho para os estupefatos fantasmas e humanos que estavam diante dele.

– Obrigado, meu filhos. Vocês ajudaram a salvar o Natal. Eu estava deprimido com os rumos que a humanidade vinha tomando e estava a um passo de desistir de tudo. Foi quando assisti Senhor dos Anéis e descobri que precisava passar por um processo de purificação para voltar a ser o verdadeiro símbolo que o Natal precisa. Sim, meus filhos, noto alguns olhares de dúvida. Vou explicar o que aconteceu. Fantasma do Natal passado, obrigado por ter confiado em mim quando eu lhe pedi para que encontrasse uma forma de me matar. Sabendo que só um humano poderia me ferir, você se demonstrou muito inteligente ao escolher e conduzir esse homem até meu escritório. Você tem um grande cérebro.
– Que bom que o senhor voltou à vida. Por um momento, achei que nós havíamos lhe pedido para sempre.
– Eu não posso morrer. Portanto, imaginei que, se um humano me ferisse de forma tão intensa quanto aconteceu, eu chegaria ao limiar da morte mas voltaria com o espírito fortalecido. Por isso também o agradeço, Rodolfo Escrúge. Sua maldade fez com que você fosse capaz de me matar sem dó, fazendo com que eu pudesse continuar minha missão de levar alegria e paz para o mundo. É uma pena que você deteste o Natal a ponto de ter se tornado vegetariano e querer acabar com as ceias tradicionais só porque, aos doze anos, ganhou uma bola ao invés da Barbie que havia me pedido. Porém, não foi culpa minha. Eu coloquei a boneca na árvore, mas seu pai trocou o presente quando viu o que era.
– Então… Eu tive ódio do Natal por todos esses anos quando deveria odiar apenas o homofóbico do meu pai?
– Isso mesmo. Mas você vai ter a chance de se redimir. Seu xará Rodolfo, a rena do nariz vermelho, nos abandonou para tentar virar ator de TV. Ele foi fazer um teste para se tornar galã na Globo há algumas semanas e nunca mais ouvimos falar nele. Você será, então, transformado magicamente em uma rena com nariz de lanterna e nos guiará nas noites escuras. Eu sei que você consegue. Você tem uma grande coragem.
– Acho que voar por aí livre, leve e solto vai ser melhor do que ficar com um loja que só dá prejuízo. Tudo bem, então. Quanto à rena sumida, acho que tenho uma ideia de onde ele esteja, mas depois te falo pra não cortar o clima…
– Fantasma do Natal presente, quase você estragou tudo, mas entendo suas boas intenções. Obrigado por ter sido um bom fantasma e tentar me proteger. Que bom que você não conseguiu, mas obrigado assim mesmo. Você tem um grande coração.
– Obrigado, Papai Noel.
– Quanto a você, Roberto, seu discurso foi cheio de clichês, mas foi bonito. Que bom que você descobriu o verdadeiro espírito do Natal. Creio que agora você deseja voltar para casa, certo?
– Sim, mas eu não queria pegar aquele Expresso Polar de novo. As musiquinhas estavam me deixando doido!
– Então receba de presente esses sapatinhos vermelhos. Coloque-os, bata com os calcanhares e você imediatamente estará em casa.
– Ah! Agora eu saquei as referências!

O Natal foi salvo, Papai Noel renovou suas esperanças pela humanidade, as pessoas malvadas se redimiram, as pessoas boazinhas viveram felizes para sempre e por aí vai. Tudo acabou bem e a felicidade emana nessa data festiva. Feliz Natal para todos!

—–

Epílogo:

Meia-noite e meia. Papai Noel está distribuindo os presentes pelo mundo, enquanto os elfos têm sua merecida noite de sono após trabalharem tão duro em prol da felicidade das crianças. Um anjo sem asas invade o escritório de Kris Kringle na expectativa de obrigar um homem a receber sua ajuda, única forma dele ganhar suas asas. Sua decepção é gigantesca quando percebe que chegou tarde demais.

– Droga! Eu não devia ter pego aquela van polar pirata pra vir pro Polo Norte! Eu sabia que aquele retorno pela Groenlândia pra pegar uns pinguins ia acabar me atrasando! Mais um ano sem minhas asas… O jeito é esperar pelo meu décimo Natal ano que vem e ver se finalmente consigo ajudar alguém. Bom… Esse esforço todo me deu uma fome absurda. Acho que vou caçar mais uma rena por aqui pra fazer minha ceia. Aquela que eu encontrei no Rio estava tão deliciosa que quase comi até a cabeça, mas preferi jogar por uma janela qualquer porque dizem que comer cabeça de rena faz mal pra sanidade mental. Ei, estou falando sozinho de novo, que engraçado… Se eu não soubesse que sou normal ia acabar achando que estou ficando maluco. Melhor ir embora, então. Feliz Natal. Pra você também.

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5 respostas para “Um clichê de Natal – parte 3 (de 3)”

  1. Tailson Costa disse:

    Tio Lúcio, muito massa essa historinha.

  2. Rafael Bernardino disse:

    Essa história foi muido boa, mas só tira uma duvida minha, Tio Lúcio, você tinha fumado algo, antes de escrever? É só por curiosidade…ok

  3. Claudinei disse:

    Muito louco, “tio” Lúcio! Eu quero um bocado desse troço que você tá tomando! Que viagem… Cara, que conclusão mais estranha…

  4. EmersonMH disse:

    Qdo papai noel voltou branco, pensei imediatamente em Senhor dos Anéis e não é que foi mesmo!rsrs

    Sapatinhos vermelhos pro Rodolfo voltar logo pra casa foi uma boa sacada! Ri muito!

    Parabéns Mestre Lúcio por essa história direcionada a nós insanos. Nossa era ainda vai começar!

    Feliz Natal (atrasado) e feliz ano novo (ainda na validade)!

  5. […] Crônica originalmente publicada em 24 de dezembro de 2011 no Papo de Gordo. […]

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