A saudade de uma mãe (ou um dia de cada vez)

Eduardo Sales Filho
@eduardo_sales

Publicado em 11 de janeiro de 2018

Eram onze da manhã de uma segunda-feira quando o telefone tocou. Vi que era meu pai mas, como não costumo atender ligações pessoais no trabalho, resolvi deixar pra ligar de volta na hora do almoço. Porém, assim que o celular parou de vibrar eu fiquei com a sensação de que algo importante havia acontecido e que não poderia esperar. Retornei a ligação e meu pai atendeu chorando e falando coisas desconexas. Eu tentava entender as suas palavras em meio ao caos, mas tudo que ouvia era surreal demais pra ser verdade. Obviamente ele estava enganado.

Acalmei meu pai e disse que iria pedir para um médico ir lá em casa imediatamente. Liguei então para Tapioca, um desses amigos-irmãos que Deus costuma colocar em nossas vidas de vez em quando, pedindo ajuda. Ele não pensou duas vezes e correu pra casa dos meus pais. Dez minutos depois me ligou dando a notícia que eu não estava preparado para receber. Minha mãe havia falecido.

Com a voz embargada eu agradeci a sua ajuda e me permiti chorar por cinco minutos. Apenas cinco minutos. Passado esse momento respirei fundo e decidi que não poderia perder o controle. Coisas precisavam ser feitas. Decisões tinham de ser tomadas. Liguei pra um dos meus primos e pedi pra ir ao encontro de meu pai porque ele não poderia ficar sozinho naquele momento. Avisei no trabalho que precisaria viajar pra Bahia e pedi pra Maira comprar as passagens aéreas.

Falei com minhas irmãs algumas vezes no meio disso tudo, mas sempre mantendo a calma e evitando chorar. Eu precisava manter o foco a todo custo então passei a pensar apenas nos objetivos imediatos. Primeiro eu precisava comprar as passagens, depois embarcar pra Salvador, então pegar um carro até Amargosa, daí encarar o velório, o enterro e toda a parte burocrática que isso envolve.

Me permiti chorar mais um pouco no banho, antes de viajar pra Bahia, e também dentro do avião depois que as luzes se apagaram. Não sei se foi porque não queria parecer fraco ou porque sentia a necessidade de ser forte pelos outros. Talvez fosse culpa daquele velho ditado que todos da minha geração ouviram, homem que é homem não chora, mas o fato é que me segurei muito pra não desmoronar nas horas seguintes. Sempre que parecia que ia sucumbir, respirava fundo e focava os pensamentos em outra coisa.

Depois de um voo sem maiores sobressaltos, pegamos um carro no aeroporto e chegamos em Amargosa as três da manhã. Parte da família estava no velório enquanto outros haviam ido pra casa descansar um pouco antes do enterro. Perguntaram mais de uma vez se eu não queria fazer o mesmo, mas em nenhum momento me passou pela cabeça sair dali. Era a última chance que teria de estar ao lado de minha mãe e não iria abrir mão nem de um segundo sequer.

A madrugada avançou e junto com os primeiros raios de sol vieram as pessoas. O velório encheu rápido. Muito rápido. Sempre soube que minha mãe era querida na cidade, mas acho que jamais tive a dimensão exata de quantas vidas ela havia impactado em seus 69 anos aqui na Terra. Perdi as contas de quantos abraços recebi naquele dia e de quantas histórias ouvi das pessoas. Foram relatos cheios de saudades e amor. Gente contando como minha mãe os ajudou em momentos bem difíceis.

Alguns chegavam gritando “o que vai ser de mim agora?” e eu confesso que isso me fazia sentir uma certa raiva. Afinal eu havia perdido uma mãe e eles apenas uma amiga… Ou assim seria se Dona Marizinha tivesse passado a sua vida conformada em ser “apenas” qualquer coisa. Não mesmo! Sei que todo filho deve dizer isso, mas minha mãe era um ser humano especial. Ela sempre estava interessada e disposta a ajudar os outros. Mais de uma vez teve de sair da sua zona de conforto para fazê-lo sem nem pensar duas vezes.

Parentes, amigos, conhecidos e até mesmo desconhecidos foram chegando no velório. Eu me sentia sufocado. Tenho certeza que todos estavam ali com a melhor das intenções. Que queriam apenas prestar sua homenagem à minha mãe ou sua solidariedade à família. Ela foi professora e diretora de colégio por muitos anos. Esteve a frente das Voluntárias Sociais de Amargosa e do Centro Espírita Irmã Sheila. Era conhecida e amada por muita gente. Achei justo que todas essas pessoas quisessem estar lá para homenageá-la, mas foi bem difícil.

Quando os meus amigos me abordavam, me permitia chorar um pouco. Ganhar um abraço de alguém que legitimamente gosta de você faz isso com uma pessoa. Mesma coisa acontecia com os familiares distantes que foram chegando.

Apesar de ter passado a madrugada bebendo café, sentia que minhas energias estavam se esgotando, mas ainda não havia acabado. A caminhada até o cemitério foi rápida, porém intensa. Muita gente acompanhou o caixão. Acho inclusive que boa parte dessas pessoas nem mesmo conseguiu entrar no cemitério porque ele já estava cheio demais. Parecia até enterro de político, coisa que minha mãe nunca foi, vale destacar.

Passado o enterro e depois de ficar 36h acordado, consegui dormir por umas duas horas naquela tarde. Não foi o bastante para descansar, mas foi tudo que consegui. Dormir não estava sendo uma tarefa fácil naqueles dias e infelizmente continua sendo bem difícil ainda hoje. Nos dias que se seguiram eu, minhas irmãs, meu pai e meus cunhados corremos para levantar todo a documentação necessária pra fazer inventário, avisar aos bancos, pagar as contas, enfim… Cuidar de todas as milhares de coisas que precisavam ser feitas.

Passei então a focar minhas energias nessa pequenas missões. Era como se estivesse jogando uma fase de video game em que precisava ir resolvendo os problemas um de cada vez. Era bom manter a mente ocupada com alguma coisa. Isso me impedia de lembrar que havia perdido minha mãe e começar a chorar de novo.

De volta pra São Paulo, mergulhei de cabeça no trabalho. Quando não estava no escritório, ficava em casa assistindo filmes e séries sem parar. Não podia deixar minha mente vagar nem por um instante ou corria o risco de pensar na perda que havia tido e sucumbir a dor. Evitei inclusive beber durante esse período porque não queria perder o controle sobre as minhas emoções de maneira nenhuma.

Na última semana do ano sonhei com minha mãe. Estávamos em uma mesa de bar, num happy hour com a galera do trabalho. Entendi que era um recado dela (ou do universo, sei lá) de que eu deveria beber. Resolvi então que encheria a cara no reveillon para enterrar 2017 de uma vez. Faltava pouco pra meia-noite do dia 31 de dezembro e eu estava completamente bêbado. Quando os fogos explodiram no céu e eu abracei Maira no meio da Avenida Paulista, abri mão de qualquer controle ou barreira emocional e desabei. Chorei. Berrei. Gritei. Botei pra fora toda a angústia que vinha sentindo desde a fatídica ligação recebida naquela manhã de segunda-feira.

No dia seguinte acordei com uma ressaca inacreditável, mas de coração leve. A dor pela perda da minha mãe ainda é grande e tenho certeza que o vazio deixado em meu coração jamais será preenchido. Dizem que com o tempo a gente se acostuma, porém ainda é muito cedo pra que eu possa acreditar nisso. Até lá tudo que me resta fazer é viver um dia de cada vez e seguir em frente tentando levar adiante tudo que ela me ensinou em vida.

Há dez anos escrevi um texto aqui no blog chamado “O Valor de uma Mãe“. Ele foi publicado no dia em que minha mãe voltou para Amargosa depois de ter passado um mês cuidando de mim no pós-operatório da minha cirurgia bariátrica. Foi uma forma de agradecer por tudo que ela havia feito por mim até então. Uma declaração de amor pública para aquela mulher tão especial. Quando fiz aquilo jamais imaginei que seu tempo a meu lado seria tão curto ou teria aproveitado muito mais. Teria ligado pra ela diariamente. Faria visitas com uma frequência maior. Enfim…

Hoje completa um mês que ela nos deixou e só agora me sinto forte o bastante para falar sobre isso. É difícil colocar toda essa história em palavras porque alguns sentimentos são inexplicáveis e/ou intraduzíveis. Não sinto culpa pelos últimos dez anos, apenas queria ter feito diferente. Não sinto raiva por ela não estar mais aqui, só uma melancolia e saudade combinadas com a certeza de que minha mãe está muito bem seja lá onde estiver. Olhando por nós e enviando seu amor através das camadas que separam o tecido da realidade. Ela se foi, mas ainda sinto sua presença todos os dias.

Te amo, mãe. Um dia desses a gente se encontra de novo.

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2 respostas para “A saudade de uma mãe (ou um dia de cada vez)”

  1. Wedson Desidério Fernandes disse:

    Caro DuDu, eu sei como esse momento é difícil. Juro, eu sei. Mas, como já te disseram, o tempo vai aplacando essa dor. Ficará uma saudade eterna, até o momento de um reencontro (sim, eu acredito nisso). Fique forte e com pensamentos em momentos bonitos e alegres que teve com ela. Com certeza serão muitos. A dor intensa de agora, aos poucos se transformará em saudade com lembranças bonitas. Fique forte pois a dor passará, mas, o amor por ela é eterno. Pode parecer mélico, mas é a mais pura verdade. Um grande abraço de um admirador.

  2. Bruno Jesman disse:

    Sexta-feira, vim aqui procurando sorrisos, como tem acontecido a tanto tempo, porém hoje foi diferente, sai em lágrimas…
    Não passei por essa dor, mas desejo muita força e sabedoria para você enfrenta-lá, e continuar à enfrentando, já que acho que ela pode ser amenizada, mas não findada.
    Espero que todas as lembranças boas possam te dar conforto. E agradeço, em meio a isso você ainda abriu meus olhos, tenho que passar mais tempo com a minha mãe.
    Um forte abraço.

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