O pior lugar para se tomar um ótimo café

Conrad Pichler
@Conrad_Pichler

Publicado em 26 de setembro de 2009

Purê de Letrinhas, por Conrad Pichler

Essa crônica poderia também se chamar “Para onde as HQs recolhidas vão”, já que toda essa história começa com um netbook. Confuso? Sim, a vida é confusa como os corredores de uma galeria na Santa Efigênia que, diferente da rua 25 de Março, que reúne a mais fina classe das sacoleiras do meu Brasil, tem apenas um chamariz: aparelhos eletrônicos contrabandeados de algum país do leste asiático. Ali, os tigres dormem na sombra.

Passei dois dias inteiros entrando e saindo dessas galerias, ajudando um colega de trabalho a comprar seu tão sonhado netbook, o que nos fazia esperar sempre 30 minutos para qualquer coisa: Para trazer o equipamento do estoque, para instalar um programa, para recarregar as tintas. Num desses trinta minutos, saímos para tomar um café, dar uma volta e, como meu amigo ainda não se adequou a Lei Antifumo, ele aproveita para tragar um cigarro.

Entrando e saindo por aquelas ruas e cruzamentos, encontramos uma velha padaria, uma cápsula do tempo, que levou a gente diretamente para o fim dos anos 70 ou algum dos primeiros anos da década perdida. Juro que vi um frango assando numa churrasqueira no fundo do lugar, uma beterraba seca no display de doces e quem sabe mais o quê. Sentei e pedi dois cafés, enquanto encostava minha carcaça no compensado do balcão. Eu já estava sem esperanças quando o balconista entregou o açucareiro (não vou comentar o estado dele, prefiro pensar em mulheres n… deixa para lá).

Para aquela hora da tarde, achei que havia muitas pessoas sentadas no salão da padaria, desesperançados: um tomava cerveja enquanto pesava o cigarro apagado entre os dedos, outro destrinchava um bife com ovo, dois jovens disputando uma partida de palito… Tinha até meu reflexo no fundo do balcão, meio surpreso, meio enojado, pensando em mulheres n… er, quer dizer…

Enfim, o balconista disparou duas xícaras do café, xícaras surpreendentemente brancas, porcelana imaculada, e café preto fumegante como aquele dos comerciais antigos. Eu demorei a adoçar o café, demorei a usar a colherinha para fazer girar o líquido, e demorei muito para entornar a xícara, mas, confesso, foi um dos melhores cafés expressos que já tomei. E foi encontrado no último lugar em que procuraria.

Quando saí, comentei com meu colega: “Café bom, não é?”. Ele respondeu irônico: “Da próxima a gente pede um frango”. Taí, eu toparia!

Agora, se você ainda se lembra da primeira sentença desse texto, vai recordar (ou não) que falei do lugar para onde vão HQs recolhidas. Pois bastou dobrar uma esquina e lá estava eu, diante da Arca Perdida, uma loja fantástica, onde os sonhos dos números perdidos e das edições especiais por meros R$ 2,00 tornam-se realidade… e a única coisa que poderia expressar meu estado de letargia naquele momento era: “Holly Molly, eu preciso de um café!”

Não vou citar o nome nem a rua onde tomei o café, porque não quero ninguém pegando tétano naquelas banquetas.

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13 respostas para “O pior lugar para se tomar um ótimo café”

  1. Ronald disse:

    Cara, nesses anos de São Paulo aprendi uma coisa é escolher a dedo onde comer nos restaurantes decadance no centro de São Paulo. Adoro um boteco, mas São Paulo é fogo.

  2. Ricardo Ferro disse:

    Na verdade, confesse, vc não vai revelar o local para que não peguem as tais revistas antes de você.
    Conheço bem esse truque, da época em que eu descobria sebos de LPs e não divulgava até ter esmiuçado todo o acervo em busca de preciosidades.

  3. Lilith disse:

    Adorei seu texto!
    Amo andar por SP, principalmente os lugares históricos! Adoro!

  4. Ótima coluna!
    Esses momentos em que descobrimos lugares que ninguém dá nada mas tem alguma coisa bem legal são fantásticos! Aqui onde eu moro tem uma casa com uma plaquinha informando que aceitam encomendas pra festas… A melhor torta de chocolate que já comi na vida. Sempre peço uma torta média que não dura nem 2 horas…

    Abraços,
    Rômulo Almeida

  5. Paulo Patux disse:

    Fala CP! Bão demais né?!

    Pois é, você provou do ditado "em terra de eletrônicos e hq's, quem tem um bom café é rei" ! (acho que esse ditado é novo… tipo, 3 segundos!)
    Mas enfim, já vivi experiências assim em BH também. Desde café até lanches inesquecíveis. Padaria e lanchonete sofrem feito mulher: olhou, não gostou, ferrou tudo.
    Mas já co…(!) conheci uma boa dúzia de mulheres que a primeira impressão não foi a melhor, mas todas as outras impressões foram ótimas… (ops!)
    Acontece, não sempre, mas acontece!
    E sobre as HQ's, a tal Arca é um famoso "sebo", versão HQ, né? Tem tudo pra dar certo e se multiplicarem. Não é um publico gigante, mas ainda assim tem mercado.
    E bom texto, professor!!
    Saudações da terra do queijo!

  6. Olá, olá! Obrigado por todos os comentários!

    Ronald: eu ainda tenho espírito de aventura, ir nos lugares mais estranhos, provam duas coisas: 1 – quitutes de 3 dias provocam diarréia instantânea; 2 – surpresas existem! Eu não perco a segunda por conta da primeira ;)

    Ricardo: Hahahah… poxa, você tinha que contar minha estratégia?! Sacanagem! :D

    Lilith: uma das melhores coisas de SP é caminhas pelo centro, tem quem acha programa de índio, mas eu sempre encontro coisas boas perdidas nesses becos… e não só no centro, nos bairros, também!

    Rômulo: Valeu pelos elogios! Aqui tem muito disso, lugares que são pequenos baús com história e coisas interessantes para serem descobertas. Agora… tinha que falar da torta, puta fome que me deu :P

    Patux:A expressão "arca perdida" é para aumentar a importância do achado, não o nome do lugar… mas, aqui tem muitos sebos… principalmente nessa região do Centro Velho. E, valeu pelos elogios!

    Abração a todos e, mais uma vez, obrigado!

  7. Paulo Patux disse:

    Bom, graças ao meu equívoco, concluo que um sebo de HQ seria muito feliz se tivesse esse nome, hehehehe….
    .
    E os elogios são redundantes. O que você escreve já fala por si. Mas às vezes me dá uma vontade de ser redundante! …rs…
    .
    E eu nem sabia que SP tinha Centro Velho! Preciso conhecer melhor a capital do caos brasileira! Hehe…

  8. Ricardo Ferro disse:

    Voltei pra reler e me lembrei de mais uma coisa:
    Mudei-me certa vez para um novo bairro e, ao explorá-lo, encontrei uma velha padaria de um velho português (clichê dos clichês). Como sou fã de empadas, resolvi provar a do lugar (ali, escondidinha, sem chamar muita atenção, em sua velha bandeja de alumínio). Surpresa: a melhor empada que comi e – glória aos céus! – vinha com a bendita e já esquecida azeitona dentro, inteira, com caroço e tudo!
    Maravilhado, virei freguês e umas três vezes por semana levava duas pra casa.
    Até que numa dessas idas à padaria não vi mais as empadas. Fui informado que haviam deixado de produzi-las porque só vendiam poucas por semana. Certamente só eu comprava. Ficou a saudade.

  9. Ivanildo Junior disse:

    Essas descrições de andanças pelas ruas da cidade me fazem lembrar como alguns becos são apertados, mas realmente contém preciosidades. E também me vem à memória o filme Blade Runner com seus becos apinhados de gente e lojas semi-ocultas contendo sabe-se lá o que.

    Belo texto, sr. Pichler. Parabéns.

  10. Mauricio Birochi Sar disse:

    Opa, o melhor lugar para se comer lá era a Cantina Italiana , mas acho que já fechou. O João do PapoTech nunca teve uma boa experiência em comer salgadinhos na Santa.

  11. Opa! Essa é a "Purê" mais comentada até aqui, eu fico feliz com isso, então, vou para mais uma rodada:

    Patux – SP tem o chamado Centro Velho, não é um distrito oficial, mas poderíamos dizer que engloba as regiões Sé, Liberdade, República, Pateo do Colégio (e arredores), Largo do Paissandu, Luz e Bom Retiro, Anhangabaú, Praça Ramos e o começo da Consolação… ah, forçando a barra, o Bixiga entra nessa, também. Faça um pequeno roteiro e conheça, vale a pena!

    Ricardo – Cara, acho que essa situação já me aconteceu, era um desses clichês: banca de cocada de uma senhora perto da escola, só eu e dois amigos compravamos lá, logo ela fechou… fica mesmo uma saudade, eu adorava aquela senhora e a cocada era fantástica!

    Ivanildo – em dia de chuva, um pouco frio, no começo da noite, eu me sinto mesmo dentro do Blade Runner, principalmente na Liberdade, certa vez, entrei e saí tanto daquelas lojinhas e restaurantes, que me senti em uma realidade alternativa… as pessoas me olhando como se eu fosse o estrangeiro, mas acredite foi bem interessante!

    Maurício – olha, não me lembro de ter cruzado com uma cantina, não… mas, tem sim alguns lugares para comer, até mesmo dentro das galerias, restaurantes e tal; um pouco afastado, você pode encontrar até chopperia, tem mesmo coisas bacanas por ali…

    Bom gente, vou ali comer alguma coisa!
    Muitíssimo obrigado pelos comentários e pelas leituras e releituras.

    Abração!

  12. Camila Dias disse:

    Adorei!

  13. hignoris disse:

    São Paulo é igual a internet tem que procura bem mais acha o que você quer…rs…
    Nao troco esta loucura por nada…

    abracos a todos

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