Dudu no divã

Eduardo Sales Filho
@eduardo_sales

Publicado em 27 de novembro de 2007

Tenho problemas com psicólogos.
Não sei dizer exatamente o que é, mas simplesmente não levo muita fé nessas pessoas que ganham a vida ouvindo os problemas dos outros.

Sempre achei que só faz terapia quem não tem amigos com quem conversar e desabafar. A minha irmã mais velha certamente discorda de mim. Ela é frequentadora assídua de terapias, massagens, passeios ecológicos, retiros espirituais com direito a dieta vegetariana, banhos de energia e todas essas baboseiras alternativas.

Não estou aqui pra discutir se essas coisas funcionam ou não, mas acho um puta desperdício gastar tanta grana com um troço desses quando eu poderia pegar um cineminha, jantar num restaurante bom ou investir mais na minha coleção de DVDs.

Quando soube que precisava passar por uma avaliação psicológica fiquei preocupado. Como evitar durante uma hora inteira todas as minhas tiradas sarcásticas, segurar meu cinismo latente e barrar milhares de piadas sobre a situação?!

Imaginei a cena diversas vezes.
Entrava naquela sala cuidadosamente decorada para te deixar a vontade, cumprimentava a psicóloga, deitava no divã (ou em um sofá comum) e esperava a fatídica primeira frase:
– Fale-me um pouco sobre você.
Então eu começava:
– Bem, meu nome é Eduardo, sou publicitário, tradutor e professor universitário, já trabalhei em rádio, internet e jornal, tenho pós-graduação em marketing e…
Imediatamente ela escrevia em seu bloquinho de notas: “indivíduo sofre de distúrbio social, consegue relacionar-se apenas em ambiente de trabalho”.

Não, assim não vai dar certo. É melhor imaginar isso diferente, vamos começar de novo:
– Fale-me um pouco sobre você.
– Bem, meu nome é Eduardo, sou o caçula da minha família, tenho duas irmãs mais velhas, sou o filho preferido da minha mãe, meu pai é empresário do ramo hoteleiro*…
A psicóloga começa a escrever freneticamente em seu bloquinho: “indivíduo sofre de grave distúrbio social, continua preso na infância e provavelmente tem síndrome de Édipo”.

Não, assim também não tá bom. Vamos tentar imaginar isso mais uma vez:
– Fale-me um pouco sobre você.
– Bem, meu nome é Eduardo, sou leitor de quadrinhos, fã do Homem-Aranha e do Batman, adoro jogos de computador, sou viciado em séries de TV e conheci a maior parte dos meus amigos atuais via internet.
A psicóloga me olha assustada e escreve em seu bloquinho: “indivíduo sofre de gravíssimo distúrbio social, é nerd e deve ser internado imediatamente para tratamento”.

Achei melhor parar de imaginar e arriscar a sorte.
No dia da consulta com a psicóloga cheguei no horário marcado. Minhas preocupações eram infundadas, o lugar não era nada daquilo que havia imaginado. A sala era apenas um consultório médico comum. Não havia divã, só uma mesa com duas cadeiras. Entrei e sentei-me em uma delas.
A psicóloga me cumprimentou, sorriu e disse:
– Fale-me um pouco sobre você.
Respirei fundo e pensei comigo mesmo: “é hoje!”

*Na verdade meu pai tem um motel.

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